Sim, escrevo.
Escrevo para não esquecer. Por vezes ponho-me a pensar ao ponto de ter que anotar, pois são tantos os caminhos a percorrer pelos meus pensamentos, que não há desfiar que consiga encontrar o fio à meada neste labirinto. As ideias, essas saltam de caminho em caminho numa azáfama constante. Alguns percursos são terminados, outros deixados a meio. Alguns apresentam-se como autênticos becos sem saída, mas todos eles são percorridos de fio a pavio. Enfim, ideias difusas.
Escrevo porque sinto que coexistem inúmeras vozes dentro de mim. À medida que vou ouvindo os seus sussurros sinto que, numa perspectiva de justiça Romântica – em que o artista deixa de ser um imitador e põe a sua imaginação a trabalhar, criando uma sub-realidade no momento em que transmite o seu sentir e pensar -, devo dar a estas vozes a possibilidade de comunicarem. Estas não têm cordas vocais para vibrar com o poder da palavra. Não, para elas o caminho da comunicação é apresentado entre estas linhas.
Escrevo porque alguém um dia disse que uma imagem vale mais que mil palavras. Desde então comecei a escrever. O meu objectivo é escrever mil vezes mais que todas as imagens que povoam o meu imaginário. Tive a sorte de ouvir tal afirmação ainda era eu pequeno já que desta forma, consegui desenvolver a capacidade – peculiar na perspectiva de quem presencia, extremamente útil na minha – de escrever com as duas mãos em simultâneo.
Escrevo porque palavras leva-as o vento. Contudo, seria preciso uma catástrofe para arrancar dos olhos do leitor a profundidade de algumas palavras. Seria preciso uma borrasca tal que, quer fosse figurada, quer fosse num copo de água, seria o elemento condutor nesta ligação doentia do tipo palavras escritas/palavras lidas. E que interessa que o vento as leve? O que o vento leva, o vento traz; é deste corrupio, roda viva afã, que resulta a comunicação.
Escrevo porque acredito na comunicação. E quando Horácio profetizava que “as palavras muitas que hoje desapareceram, irão renascer; muitas, agora cheias de prestígio, cairão se assim o quiser o uso”, receio pensar que as suas concisas e coesas palavras sentenciem a sua própria extinção. Não devemos pois, evitar utilizar o nosso vocabulário. Em ocasião alguma podemos recear que as nossas palavras nos atraiçoem.
Escrevo porque sou um leitor compulsivo. Leio tudo o que estiver ao alcance dos meus sentidos: leio a informação impressa na caixa de cereais madrugadora; leio os conselhos de utilização do meu champô diário; leio os sinais do tempo na natureza; leio os pensamentos das pessoas; leio a contra capa de um livro que já li; leio nas entrelinhas; leio os criativos anúncios que acompanham os meus passos; leio o rosto dos transeuntes; leio a palma da minha própria mão; leio a ementa do restaurante mesmo que não tenha fome; leio os panfletos que o próprio vento se encarrega de distribuir; leio na diagonal, o jornal do vizinho do lado. E enquanto estou a ler, estou também a pensar que decerto existem outros que, como eu, não conseguem parar de alimentar o vicio da leitura. É para eles – os tais outros como eu – que escrevo.
Escrevo porque ao escrever sou obrigado a reler. E ler, é o melhor exercício para os neurónios já que obriga a vários processos cognitivos ao mesmo tempo, mantendo a mente tonificada. Ao ler estamos inconscientemente a juntar as peças de um código – o alfabeto – e a formar sons com esse código; depois pensamos no conceito associado e por fim formamos imagens correspondentes ao que vamos lendo (no meu caso especifico, escrevendo, lendo e relendo, quase que em simultâneo). Todo este processo estimula a imaginação que por sua vez estimula o processo quer da escrita, quer da leitura.
Escrevo porque em todo o lado o posso fazer. Posso escrever na areia, apesar de saber que a água, ciclicamente, se encarregará de levar as minhas palavras. Tal acto não me incomoda, pois alguns dos meus melhores pensamentos foram escritos e transcritos nas nuvens e esses, também o vento tratou de transportar.
Escrevo porque sei escrever. Mas mais importante, escrevo porque posso. E posso porque inventaram a escrita, o papiro, o pergaminho, o papel, as encadernações, a prensa, o lápis, os jornais, as revistas, a caneta, a máquina de escrever, o computador, o papel reciclado, e ainda porque alguém olhou para as penas dos gansos com olhos de ver.
Não é curioso que as primeiras pinturas rupestres (4500 a.C.) e inclusive a escrita (4000 a.C.) tenham surgido antes da roda (3200 a.C.), do sabão (3000 a.C.), da colher (1490 a.C.), do ábaco (550 a.C.), das engrenagens (300 a.C.), dos moinhos de vento (644 d.C.) ou até mesmo da manivela (834 d.C.) que muitos precisam para povoar o imaginário?
Se algum mau entendedor munido de pedras e de palavras do tipo : o que tu dizes não se escreve a ele eu direi ( no caso escreverei, lerei e relerei): Cuidado! A pedra ou a palavra não se recolhe depois de deitada. Quanto ao resto, se o que eu digo não se escreve, deixo de falar. Ao falar estou a semear, mas ao calar-me estou a colher. O meu objectivo ao escrever ventos, é colher tempestades.
Seja a escrita cuneiforme, pictográfica, mnemónica, hieroglífica, hierática, epistolográfica, ou fonética, todas têm como finalidade a partilha de conhecimento. E se o Henri Bergson - prémio Nobel da literatura - que moldava a metáfora, a imagem e a analogia como poucos conseguem fazer , afirma que “falhamos ao traduzir exactamente o que se sente na nossa alma: o pensamento continua a não poder medir-se com a linguagem”, então eu continuarei a escrever até que as mãos me doam. Mesmo que tenha que lutar contra ventos e marés, a escrita há-de continuar a ser a forma mais simples de comunicar. As palavras, essas podem ser confusas, sonoras, complexas, escritas, imaginadas, soltas, engraçadas ou até mudas. Mas continuarão a ser a mais poderosa arma ao dispor da humanidade.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
o que eu estava procurando, obrigado
Enviar um comentário